Quando trair é uma boa opção

Histórias de importantes traições fazem parte da trajetória da humanidade, de forma geral, e de nossas vidas, em particular.

Histórias de importantes traições fazem parte da trajetória da humanidade, de forma geral, e de nossas vidas, em particular. Atire a primeira pedra quem nunca traiu! E não me refiro a traições nos relacionamentos afetivos ou sociais. Estas, provavelmente, são as primeiras que vêm à mente quando propomos abordar o tema, mas convido a ir um pouco além, ampliando nossa reflexão. Veremos que a traição, vista por outro ângulo, pode ser forte instrumento para a libertação, promoção de bem estar, senso de realização e alegria.

Toda traição, independente de onde se origine, envolve a quebra de algum contrato, aliança ou lealdade existente, sejam eles implícitos, explícitos, verbais ou legalmente documentados. Esta quebra, apesar de gerar desconforto, necessariamente não é algo ruim. Dependerá, principalmente, do propósito que esteja desempenhando em minha vida.

Localizar a traição alheia, o que costumamos chamar de infidelidade, é sempre mais fácil e está em evidência nas conversas do dia a dia, nos programas de televisão e nas manchetes de revista. Mas, e quando sou eu quem me traio? E quando quebro o contrato e lealdade mais básico que estabelecemos: aquele em que nos comprometemos com nossa própria felicidade e cuidado?

Nos traímos de diversas maneiras: permitindo-nos estar em relacionamentos insatisfatórios e empregos adoecedores, atropelando nossas vontades e necessidades, abrindo mão do autocuidado e do respeito conosco mesmos, negando uma orientação sexual, fazendo um curso desprazeroso só para agradar, sabotando projetos pessoais, aceitando desrespeitos, vivendo uma vida infeliz e vazia. A lista de exemplos pode ser imensa e sei que ao se esforçar poderá perceber suas próprias traições. Me traio ao me tornar surdo aos reais anseios de minha alma.

A traição a mim mesmo ocorre quando mantenho lealdade e aliança com aquilo que faz mau ou aprisiona. Crenças limitantes aprendidas na convivência familiar, scripts impostos pela sociedade, vozes internas que assujeitam e pessoas que me oprimem impedem que a fluidez e o senso de realização na vida sejam estabelecidos. Portanto, trair o que me adoece, entristece e paralisa é uma boa opção rumo à saúde e qualidade de vida.

Determinados contratos e lealdades que empenhamos em preservar contribuem para o adoecimento emocional e nos atrelam a ciclos de repetição e estagnação. A novidade e o frescor da mudança não encontra terreno fértil para germinar.

É como a história da moça que vai assar um peixe e corta a cabeça e o rabo para colocá-lo na assadeira. O marido sem entender pergunta porque ela fez isso. Ela responde que aprendeu a prepará-lo desta maneira com sua mãe. Ao ser questionada a respeito, a mãe diz que aprendeu com a avó. Esta, por sua vez, explica que quando nova sua assadeira era muito pequena sendo necessário cortar o peixe para que conseguisse assá-lo.

A repetição indiscriminada do que foi aprendido e internalizado paralisa e nos torna reféns. A traição a estas lealdades recupera a autonomia e a possibilidade de evolução. “tenho o dedo podre”, “os homens da minha família são mal sucedidos”, “não sei ganhar dinheiro”, “tudo que eu faço dá errado”, “sou burro(a) mesmo”, “nunca nada dá certo para nós”, “minha sina é essa, nadar e morrer na praia”, “eu não consigo sem a ajuda dos meus pais”, “quem sou eu para achar que posso…”

A humanidade evolui através de traições às tradições que se tornaram limitantes, subjugadoras e, principalmente, não mais respondem adequadamente às necessidades sociais. Precisam, portanto, ser questionadas e modificadas. O que seria da sociedade se não fossem estas traições? Elas permitem a busca de melhorias e a superação de formas de pensar estagnadas. Este é um processo que precisa ser contínuo ou corremos o risco de paralisarmos como pessoa e sociedade. A conquista do voto pelas mulheres, a abolição da escravidão, as leis trabalhistas, entre outros, significaram traições a ideias antigas que oprimiam e limitavam.

Quais lealdades adoecedoras mantenho em minha vida?

O que me “prende a elas? 

O que/a quem preciso trair?

Quem se interessar por uma leitura mais aprofundada indico o livro “A alma imoral” de Nilton Bonder.

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