O que chamamos família

Tenho verdadeira alegria e imediata prontidão para estudar, conversar e debater sobre o assunto família, principalmente no que se refere à problematização de suas configurações.

Tenho verdadeira alegria e imediata prontidão para estudar, conversar e debater sobre o assunto família, principalmente no que se refere à problematização de suas configurações. Sei que para algumas pessoas este é um assunto delicado e, portanto, percebo ser importante deixar muito claro o lugar de onde “falo” para tecer esta reflexão.

Escrevo e me expresso neste momento não só como Terapeuta de Família, que afiniza com as teorias contemporâneas deste campo e sofre a influência destas vozes em seu trabalho, mas também como pessoa, cidadão, que, a partir do compartilhamento destas ideias pretende lançar luz e contribuir com este diálogo através de uma perspectiva que considero mais empoderadora, respeitosa e inclusiva.

Atualmente nos deparamos com uma profusão de discursos alarmistas sobre a desestruturação da família. Estes discursos buscam, através de seus critérios e argumentos calcados no medo, defender a padronização do que é uma formação familista. Nesta lógica um grupo de pessoas só poderia adotar a denominação de família ao obedecer a tais e tais critérios de validação e “pureza”.

Quando alguém diz, por exemplo, que a família somente é constituída através da união de um homem e uma mulher que geram filhos, está fazendo uma delimitação do tipo “é isso”, o que, imediatamente deixa implícito, num ato de exclusão o “e não aquilo”, que se refere a todas as outras configurações que não cabem de forma literal na descrição feita.

Nesta delimitação do tipo “é isto e não aquilo” atribui-se socialmente um status pejorativo a tudo o que não se encaixa na descrição padrão, tornando as outras configurações de “ajuntamento” ilegítimas. Por sua vez, a ilegitimidade leva à invisibilidade e estar invisível é não existir, não ser visto aos olhos da sociedade.

Quando somos e nos sentimos invisíveis socialmente ficamos alheios e alijados de nossos direitos, que, supostamente deveriam ser assegurados. A invisibilidade também traz sérias consequências psicológicas e emocionais, pois influencia meu ser e estar no mundo, minha autoimagem e senso de adequação e pertencimento.

Por outro lado, esta postura que busca a padronização também encerra uma perspectiva que considera a família uma instituição a priori, estática, pronta e engessada, e não uma construção do humano, portanto, plástica, mutável, social, política e histórica. Em constante construção ao longo do nosso fazer enquanto seres humanos.

E qual é esta imagem padrão de família? É a que chamamos nuclear. Constituída por pai, mãe e filhos, consanguíneos, intacta (onde não há divórcio), geralmente branca e de classe média. A família da propaganda de margarina, detergente e pacote de viagem. Peço por favor, que reflitam se a sua vivência de família é totalmente compatível com esta imagem. Para muitas pessoas esta não será sua realidade familiar. O que dizer então: será que elas devem considerar que não tem e não sabem o que é viver em família?

A família surge como uma forma de estruturação alicerçada no prazer da convivência, na construção de laços de suporte e ajuda, na busca da sobrevivência através da mútua proteção e por que não, como forma de proteção também de bens e riquezas dentro de um mesmo clã. É uma instituição que deu certo e que cumpre função muito importante na vida do ser humano. Mas está longe de ter uma única configuração e ser estática.

Se observarmos, muitos podem ser os critérios que levam um indivíduo a circunscrever sua formação familiar. Estes podem ser religiosos, biológicos, afetivos, emocionais, legalistas… ou até mesmo a combinação de alguns destes. O parentesco e a filiação também não obedecem a regras tão claras e objetivas. Lembro-me de um atendimento em que uma criança me contava de seu final de semana. Ao dizer que tinha passado o domingo na casa da avó perguntei se paterna ou materna. Ela prontamente fez cara de interrogação e respondeu: De nenhum dos dois! Imediatamente entendi que havia incorrido no erro de pensar a família de forma padronizada, concebendo-a através de uma lógica consanguínea fundada no parentesco biológico. Literalmente: Acorda Vinícius!

Mais do que impor o que é família e qual deve ser sua forma de se apresentar precisamos entender que os jeitos de ser família são muitos e nisso não há problema algum. Possibilidades e limitações estarão presentes em quaisquer que sejam as formações familiares. O que diz da saúde de uma família não é o fato de apresentar-se como nuclear, homoafetiva, reconstituída, monoparental, de escolha ou mais um bom punhado de nomes que podemos utilizar para descrevê-las, mas a qualidade das relações, a circulação do afeto, a capacidade de nutrir, proteger, amparar, transmitir ensinamentos, estimular o desenvolvimento e se sentir pertencente.

Nesta lógica quem delimita sua família é o próprio indivíduo e nela cabem infinitas possibilidades e critérios que precisam ser respeitados. Quem foi que disse que nossas vivências e percepções têm de ser as mesmas? No que a minha forma de viver o ser família ameaça a sua? Isso é saber conviver.

Viva a diversidade!

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