Jogo do contente ou o sorriso que mascara a alma

Quando era mais jovem, antes mesmo de me tornar psicólogo, ouvi falar do “jogo do contente”.

Quando era mais jovem, antes mesmo de me tornar psicólogo, ouvi falar do “jogo do contente”. Fiquei sabendo depois que no livro – “Pollyanna” – a personagem principal, uma menina de família muito pobre, aprendia esta brincadeira com seu pai como uma maneira de passar pelas adversidades da vida. Esse jogo consistia em focar no aspecto positivo de tudo o que acontecia para não se entristecer ou amargurar. Confesso que achei a ideia interessante, mas perigosa. A tristeza é um sentimento muito importante para ser negligenciado numa postura que pode incentivar o autoengano e a negação.

Concordo que ver o lado positivo dos problemas e dificuldades tem seu valor, mas, fazer de conta que tudo está ok o tempo todo e diante de qualquer circunstância é passar por cima de si mesmo, de seus sentimentos e se anular.

Tenho direito a estar triste, com raiva, decepcionado, frustrado, melancólico e assustado. Cansei. Não aguento mais. Não consigo. Estou mal. Que vida é essa! Em alguns momentos precisamos desabafar e desabar emocionalmente para termos a oportunidade de seguir adiante.

O sorriso forçado, sustentado à base de muita encenação e faz de conta, mascara o que realmente sinto e contribui para que o abismo emocional em que me encontro torne-se cada vez maior. Costumo chama-lo de sorriso amarelo quando não tem vida, de sorriso de Monalisa àquele sem qualquer expressividade, ou riso de cacatua quando alto, estridente e desproporcional.

Para ser ajudado, pedir ajuda ou me ajudar preciso deixar transparecer que não estou bem, para mim mesmo e para aqueles com quem posso contar. Quando o grito da alma é amordaçado o corpo é quem manda o recado. Resultado? Crise de ansiedade, pânico, depressão, autoagressão, somatizações, irritabilidade. Alguns podem até dizer: “Mas eu dou conta de controlar a tristeza!”. Tudo bem, você pode dar conta, mas até quando? A que preço? E pra quê? É importante aprender a respeitar nossos limites.

Gosto muito de uma música que na versão para o português chama-se “Sorri”. Indico escutá-la na voz de Nana Caymmi. Segue a pequena letra. Peço que leia com atenção.

Sorri,

Quando a dor te torturar

E a saudade atormentar

Os teus dias tristonhos, vazios

Sorri,

Quando tudo terminar

Quando nada mais restar

Do teu sonho encantador, sorri

Quando o sol perder a luz

E sentires uma cruz

Nos teus ombros cansados, doridos

Sorri,

Vai mentindo a tua dor

E ao notar que tu sorris

Todo mundo irá supor

Que és feliz

Inegavelmente é uma linda canção que fala da realidade daquelas pessoas que preferem “fazer de conta” a “fazer as contas”. A contabilidade das emoções e da vida nos ajuda a perceber se estamos no vermelho da conta corrente emocional e ligar as sirenes em busca de socorro. Quando não fazemos isso a infelicidade, o vazio existencial e a tristeza tornam-se crônicos. Isso significa que o tempo passou e aprendi a viver na dor, tristeza e mal estar ao ponto de encará-los como o natural da vida.

Meu exterior é o reflexo de meu interior. Se transmito uma imagem do lado de fora que está descompassada com o que sinto por dentro é um possível sinal de que estou encenando na vida. “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.

Encontrar pontos positivos e enxergar ensinamentos diante de alguma adversidade se torna tarefa muito mais fácil quando estamos conectados com nossos sentimentos, dispostos a aceitar que não estamos bem e que precisamos de ajuda e cuidado.

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