Filhos reais e nossas expectativas de perfeição

Acredito que todos conheçam a clássica história de Pinóquio. Confesso que sou apaixonado pelo personagem e sua riqueza.

Acredito que todos conheçam a clássica história de Pinóquio. Confesso que sou apaixonado pelo personagem e sua riqueza. Entretanto, percebo que muito da utilização terapêutica de sua narrativa está focada na moral de aprender a ser um bom garoto, não mentir e obedecer aos pais. Proponho mudarmos o foco de visão para abarcar outro caminho possível.

Um senhor solitário, serralheiro, morador de uma pequena aldeia, cria um boneco de madeira e chama-o de filho. À noite pede às estrelas que seu boneco se transforme em um menino de verdade. A Fada Azul ouve o pedido, se sensibiliza e realiza o desejo de Gepeto. Pinóquio chega à vida, mas como um menino de madeira. Engraçado, amável, de personalidade forte e com muitas dificuldades que desestruturarão toda a rotina pacata e organizada do pai. O desejo realizado nunca é da ordem do ideal, mas do real.

A metáfora do filho de madeira ilustra aqui a criança imperfeita, que congrega nuances que caminham entre qualidades/defeitos, potenciais/limitações e a ordem/caos durante sua trajetória de vida.

Noto que alguns pais esperam que seus filhos sejam perfeitos: comportem-se bem, sejam sempre respeitosos, não façam birra, tenham boas notas, respeitem naturalmente todas as regras instituídas, não briguem com os irmãos, sejam caprichosos com o material da escola, arrumem o quarto, se destaquem nos esportes, expressem-se com desenvoltura. Esta lista continua infinitamente. Crianças não são perfeitas e cada uma em sua singularidade nos colocará diante de desafios que precisaremos enfrentar juntos. Mas nunca (nunca!) tornar-se-ão o ideal sonhado.

De maneira inconsciente pais e mães constroem uma imagem do que desejam para seu filho(a) e do sentido (papel, função) que esta criança desempenhará em sua vida. A partir daí sonham e projetam o futuro. Mas precisam desenvolver a consciência de que, somente eles têm responsabilidade sobre estas idealizações, a criança não. Filhos irão desapontar, frustrar, tirar do sério, desafiar e bagunçar todo o cenário paradisíaco e irreal sobre a maternidade/paternidade.

Em meu trabalho sou procurado por pais em busca de ajuda, pois seus filhos de madeira os tem preocupado ou desestabilizado. Não é raro ouvir uma lista de queixas, dificuldades, problemas, defeitos… “Esse menino(a) vai me enlouquecer!”, “Não aguento mais!”, “Não sei mais o que faço!”. É como se estivessem prontos para desistir, mas parentalidade não tem botão de liga/desliga. Não digo que a angústia destes pais não seja legítima, mas sempre me pergunto: E o que tem de bom? Onde está o potencial dentro destas limitações? Onde reside o valor na relação entre esses pais e seus filhos? Quais são os exageros das suas expectativas? Qual a participação destes pais nesta história?

Esta última pergunta considero muito importante. Uma criança não está desconectada de seu contexto, dos aprendizados sociais e histórias familiares. Da mesma maneira, na história de Pinóquio, um serralheiro só consegue criar um filho de madeira. Pais e filhos reais são parceiros de uma mesma dança e estão interconectados. Esse pensamento não é para gerar culpa ou condenação aos pais, pelo contrário serve para humanizar, dividir responsabilidades e principalmente fortalecer a parceria em busca de mais saúde.

Pais conscientes desta inter-relação e corresponsabilidade podem nutrir, amparar, educar, proteger e estimular seus filhos com menos culpa e cobrança de perfeição de ambos os lados. Afinal, estamos nesta vida para evoluir e mesmo assim nunca estaremos completamente prontos e acabados. Perfeição só na imaginação.

Tirinha: Armandinho, autor: Alexandre Beck.

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