Partilho da ideia de que terapeuta e cliente encontram-se em uma dança relacional* ao longo do processo terapêutico, onde, cada qual desempenha função ímpar para a harmonia, beleza e conquistas desta jornada.
O movimento de chegada de um cliente até a terapia é um passo muito importante, mas apenas o inicial para se deflagrar uma real busca e disposição para a mudança. É muito comum que a frase ouvida no subtexto das falas do cliente, “ajude-me a mudar”, tenha como complemento “… desde que eu não precise mudar nada!”. Convenhamos! Mudar é trabalhoso e arriscado. Por mais desconfortável que seja o lugar em que estou, este já é bem conhecido e tem lá o seu conforto e segurança.
Precisamos lembrar também dos ganhos (algumas vezes inconscientes) que temos ao vivenciar alguma disfuncionalidade. Estes são conhecidos como ganhos secundários e sempre estarão presentes em qualquer situação da vida. É estranho pensar que possam existir ganhos na depressão, compulsão, estagnação ou até mesmo em conflitos conjugais, mas eles se fazem presentes. Nem que este ganho seja a manutenção de algum tipo de repetição da história de minhas gerações familiares. Essa “lealdade familiar” dificulta a busca de novos caminhos e me aprisiona à obrigação de cumprir determinado script preestabelecido.
Geralmente, o que desencadeia o movimento de busca de ajuda é a percepção de que algo não vai bem, me incomoda e traz prejuízos. Algumas vezes outra pessoa “enxerga” o problema e me orienta a procurar um profissional da área de saúde.
Quando o cliente chega à terapia tem queixas, às vezes várias, uma profusão delas. Algumas reais, outras imaginárias. A queixa diz do por que estou aqui diante deste profissional. Mas ela, por si só, não é suficiente para desencadear comprometimento com a mudança. O queixoso pode encontrar prazer em queixar. Se for gostoso reclamar, vou mudar pra que? Atendimento vai, atendimento vem e as falas são sempre as mesmas. Andamos em círculo infinitamente.
As queixas apresentadas muitas vezes descortinam a existência de uma demanda para terapia, ou seja, há o que possa ou precise ser trabalhado. O que não implica permissão para o aprofundamento e enfrentamento destes conteúdos pelo cliente. Condição essencial para ocorrer uma terapia.
A partir da queixa e da demanda é importante que se faça presente também um pedido. O pedido me conecta com o pra que, o sentido da procura por ajuda. Se não há pedido é difícil intervir ou trabalhar junto ao cliente. Se não há pedido não existe pelo menos um início de sensibilização necessária para com o problema, que justifique a tentativa de superá-lo.
O contato com o pedido pode vir em intensidade e interiorização variadas. Compete ao terapeuta trabalhá-lo ou ajuda-lo a tornar-se presente. Mas isso dependerá não só da habilidade de manejo do profissional, mas do investimento do cliente também.
Alguém que está por demais desestabilizado e desgastado pelos problemas que tem vivenciado chega com uma maior interiorização do pedido e mais desejoso por se comprometer pela mudança. Aquele que ainda está no nível da queixa e da reclamação precisará ser ajudado, antes de se trabalhar conteúdos, a formular e contatar com seu pedido e a importância do mesmo.
A pertinência terapêutica sinaliza, para o terapeuta e o cliente, a quantas anda o desejo e a vontade de se apropriar do processo de mudança. Ela diz da disposição, disponibilidade e prontidão em se abrir para o novo, e sinaliza o nível de consciência e responsabilização do cliente para se implicar com esta trajetória.
Avaliar e trabalhar a pertinência é tarefa das mais importantes para o processo terapêutico. Ela permite que o pedido “ajude-me a mudar?” seja um verdadeiro convite rumo à saúde.
*Esta analogia com a dança não é propriamente minha e poderá ser encontrada nas exposições de vários psicólogos, mas aqui, ela surge a partir da influência de um livro de Carl Whitaker e William Bumberry chamado “Dançando com a Família”.